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Os Hermanos

Suspenso pelo luto de Evita Perón e proibido pelo ditador Videla, carnaval ressurge na Argentina e volta a ser feriado

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Por arielpalacios
Atualização:

Eva Perón, durante visita em 1947 ao ditador fascista espanhol Francisco Franco. O respaldo de Evita e de Perón - especialmente econômico, além de político - foi crucial naquela período para o generalíssimo ibérico que dizia-se "caudilho de Espanha pela graça de Deus". Cinco anos depois Evita faleceria. Nos anos seguintes à sua morte o carnaval na Argentina foi suspenso pelo luto imposto pelo governo do viúvo.

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Mas, a presidente Cristina Kirchner - que nos últimos anos fez a revisão de uma série de medidas da ditadura - decretou há poucos meses a reimplantação do feriado de carnaval.

"Queremos que a alegria volte à Argentina!", disse exultante em setembro a presidente Cristina, perante uma plateia de "murgueros" (denominação dos integrantes dos blocos carnavalescos portenhos) que entoaram a "marcha Peronista" com um 'touch' de ritmo carnavalesco.

Desta forma, na semana que vem os argentinos poderão aproveitar o feriado de carnaval pela primeira vez desde 1976.

PRIMEIRO GOLPE - O carnaval argentino recebeu seu primeiro golpe com a morte de Eva Duarte de Perón - mais conhecida como Evita - em 1952. Durante três anos, todos os dias, na mesma hora em que havia falecido, nas rádios os locutores recordavam o falecimento da "mãe dos trabalhadores" e "líder dos descamisados".

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O clima de luto perdurou durante meses, e foi reforçada pela decisão do governo peronista de suspender o carnaval de 1953 e dos dois anos posteriores.

O golpe militar que em setembro de 1955 derrubou Perón restaurou em fevereiro de 1956 o feriado carnavalesco.

Mas, vinte anos depois, a ditadura militar do general Videla revogou o feriado e impediu as festividades. Este segundo duro golpe teve consequências mais permanentes que a morte de Evita. Embora a ditadura tenha acabado sete anos depois (em 1983) o carnaval levou mais de uma década para dar seus primeiros passos de retorno às ruas portenhas.

Videla (à direita) daria o golpe de misericórdia no carnaval argentino em 1976 ao suspender a totalidade dos festejos. As celebrações só ressurgiram - gradualmente - a partir dos anos 90. Na foto, Videla está acompanhado por seu vizinho e partner em assuntos ditatoriais, o general chileno Augusto Ramón Pinochet.

RECUPERAÇÃO - Desde a volta da democracia o carnaval recuperou-se de forma lenta e gradual em Buenos Aires com o surgimento das "murgas" (blocos) em diversos bairros.

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Os integrantes das "murgas" dançam ao som do "candombe", um ritmo de origem africano (remanescente dos tempos em que havia escravos em Buenos Aires) com intensos requebros.

Nos anos 80 existiam somente 15 murgas. Mas na virada do século XXI o número havia subido para mais de 100, compostas por dez mil "murgueros". Atualmente existem mais de 200 murgas. O respaldo dos governos municipal e federal só apareceu na última década, quando as murgas mostraram que estavam consolidadas.

Murgas portenhas estão em plena recuperação. A cada ano surgem novos blocos.

As murgas concentram-se nos bairros de classe média baixa. Os bailes possuem pequenas dimensões em Buenos Aires, comparado com o Brasil, já que participam poucas centenas de pessoas. Para aumentar a participação, a prefeitura de Buenos Aires projeta recuperar o carnaval de salão, esquecido há décadas, além de outras festividades populares.

Mas, desde 1976 até este ano, em todos os lugares do país os carnavalescos só podiam protagonizar os festejos de Momo nos fins de semana, devido à inexistência do feriado de carnaval.

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A presidente Cristina aproveitou a restauração do feriado de carnaval, no final do ano passado, para também anunciar a criação de outros novos feriados. Desta forma, com o decreto presidencial, o número total de dias considerados "feriados nacionais" passou de doze para quinze. A ideia, afirmou Cristina Kirchner, é estimular o turismo.

 Em Gualeguaychú a preferência é pelos carros alegóricos e a inspiração nas plumas e brilhos do carnaval brasileiro.

AO MODO DO BRASIL - Muito antes do Mercosul integrar as economias do Brasil e da Argentina, os habitantes da cidade de Gualeguaychú, na província de Entre Ríos,   importaram um produto tipicamente brasileiro: o carnaval. Desde os anos 60, os foliões argentinos desta região vestem-se com as plumas e lantejoulas típicas das festividades de Momo no Brasil, e desfilam em carros alegóricos.

Os próprios entrerrianos admitem que embora não haja mestres-salas, nem porta-bandeira, e sequer a música seja samba, o carnaval de Gualeguaychú é uma espécie de "irmão caçula" do carnaval carioca.

O carnaval de Gualeguaychú tornou-se um furor nacional nos últimos cinco anos, e é assistido por políticos e atores. As "comparsas" (as "escolas" locais) aproveitaram o sucesso para convidar estrelas da TV, modelos ou cantores para destacar-se. Em Gualeguaychú, existe um lugar para o desfile, inspirado no sambódromo, que denomina-se "Corsódromo", em alusão a "Corso", denominação argentina para o desfile ou parada de carnaval.

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Nas últimas décadas, a febre do carnaval inspirado no brasileiro, se espalhou pelas pequenas cidades da região: Santa Elena, Concepción, Chajarí e Gualeguay. A preparação das fantasias e dos enredos leva todo o ano.

O lado físico também conta: para estar com os corpos comme il faut, nestas cidades florescem as academias de ginástica, que são escassas no resto do país, mesmo em Buenos Aires (comparado com o imenso volume de academias existentes em São Paulo ou no Rio de Janeiro).

AO MODO INDÍGENA - No norte da Argentina também comemora-se o carnaval, mas com tons indígenas: na região da Puna, na fronteira com a Bolívia, o centro da festa é o "Pujillay", isto é, o "diabo carnavalesco", personagem da mitologia local, derivada dos incas. Sepultado desde o final do carnaval do ano anterior, o diabo é desenterrado, dando início às festas, com músicas indígenas e coloridos desfiles pelos vilarejos da região. Nestas festas os participantes mascam folhas de coca e ingerem bebidas feitas com essa planta.

Diabo desenterrado é o foco do carnaval do norte da Argentina. A festança - além das danças típicas - é complementada com suculenta gastronomia.

VOCABULÁRIO:

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- Murgas: espécie de blocos

- Corsos: o desfile das murgas

- Candombe (nome que origina-se na palavra candomblé): música que embala as murgas, com ritmo de origem africano.

 

Em 2009 "Os Hermanos" recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).

 
 

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